terça-feira, 11 de setembro de 2012


Licença para bocejar
Tiago esperava tranquilamente por sua consulta no hall da clínica. Olha uma figura daqui, folheia uma revista dali e, não tem jeito. O sono bate mesmo. Mecanicamente, sem pensar sobre a própria atitude, instintivamente abre sua boca no bocejo mais gostoso e mais aberto que já tinha dado em sua vida.
_Mãe, olha o que aquele homem tá fazendo! E uma pequena criança perto de Tiago se aconchegava assustada no colo da mãe, que lhe respondia também assustada:
_Não olha, filho! Que horror!! Mamãe vai dar um jeito, tá?
E a jovem senhora se levantando, foi chamar a polícia. A força da lei se manifestou imediatamente, cercando o local apropriadamente.
Ao som de algumas sirenes, uma escola de três policiais invadiu o local com presteza.
_Mão ao alto!
A comoção foi geral, as clientes velhinhas da clínica soltando gritinhos de pânico e as secretárias de olho no armamento dos policiais. A mãe da criança assustada não perdeu tempo e apontou para Tiago:
_Foi aquele homem ali!
No meio do seu segundo ou terceiro bocejo, o rapaz engasga com a boca aberta, sem entender o que estava acontecendo.
_O quê que eu fiz?!?
_Tá querendo bancar o espertinho, hein gordinho? Cadê sua licença pra Bocejar, hein?
_Licença pra quê?!?
_Não faz de desentendido que você me entendeu muito bem. É melhor mostra logo sua licença senão cê vai pro xadrez agora!
_Peraí, eu não tô entendendo nada! Que licença é essa?
_Licença pra Bocejar! Vou ter que repetir de novo? Olha, parece que você é réu primário nesses caso. Então, eu vou te dar uma chance. Vai tirar sua licença hoje mesmo e apresenta pra mim lá no Batalhão. Vamos ver se você é esperto o suficiente pra sair dessa!
_Tá bom, o senhor me desculpe, eu vou providenciar essa licença.
Saindo da clínica, Tiago não sabia muito bem o que fazer. Foi quanto então reparou numa placa que ainda não tinha visto, mas que parecia estar ali desde sempre: “Subprefeitura Zona Oeste. Licenças para todos os fins.” Entrou por impulso.
_Boa tarde... é aqui que eu tiro licença pra Bocejar Dona...Ludmila?
_É aqui mesmo. Pra Bocejar, espirrar ou tossir. Pra emitir flatulências é no andar de baixo.
_Não, eu só quero a do Bocejo mesmo.
_Ah, aproveita que você tá aqui e tira tudo de uma vez.
_Valeu, moça, mas eu tenho que apresentar essa licença na polícia.
_Ah, então, vamos resolver logo o seu problema. Tá com seu Atestado de Não Babador aí?
_Atestado de quê?!? Tiago ficava cada vez mais confuso.
_Já vi que o senhor é marinheiro de primeira viagem... faz o seguinte, dá um pulo ali no terceiro andar, segunda porta à direita depois da curva do corredor.
_Tá bom...
O rapaz seguiu as orientações da primeira tendente e foi até o local indicado.
_Bom dia.
_Bom dia senhor, posso ajudar?
_Eu queria um Atestado de Não Babador... dona... Amanda, é isso?
_Isso, é aqui mesmo... o senhor trouxe seu Certificado Kolynos de Hálito Fresco?
_Certificado o quê?
_Certificado Kolynos de Hálito Fresco, senhor.
_Mas, como assim? A Kolynos nem existe mais!
_É senhor, a Kolynos realmente não existe mais. Mas Colgate é apenas a marca mais lembrada pelos dentistas. Aqui, precisamos de hálito fresco.
_Entendi... e esse tal de Certificado eu tiro aonde, hein?
_No segundo andar, na porta ao lado do elevador de serviço.
Tiago seguiu mais uma vez as indicações, tentando conseguir a sua tão necessária Licença para Bocejar. A próxima secretária também o atendeu educadamente.
_Bom dia... a senhora é...
_Meu nome é Camila e eu não sou senhora, tá? O quê que o senhor deseja?
_É um Certificado Kolynos de Hálito Fresco.
_Claro que tinha que ser isso, né? Eu também tô aqui só pra emitir essa bagaça desse certificado! Chega aqui, dá uma baforada aqui nesse bafômetro.
Seguindo as indicações da atendente, Tiago finalmente conseguiu um certificado sem que lhe pedissem outro. De posse do documento, seguiu pelo caminho inverso no prédio, passando em cada sala onde esteve até o primeiro departamento. Havia reunido toda a papelada necessária.
_Oi dona Ludmila, tô aqui de novo... consegui todos os papéis que eu precisava...
_Ai, que bom! Mas o senhor vai precisar voltar amanhã, porque agora meu expediente já terminou, ok? Boa tarde!

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